A carga tributária bruta no Brasil atingiu em 2008 a estratosférica taxa de 36,2% do PIB. Segundo estimativa do IPEA, se dividida homogeneamente ao longo do ano, a carga tributária per capita no Brasil consumiu, em média, a renda gerada por 132 dos 365 dias de 2008. É uma das mais altas do mundo. Isso quer dizer que de cada cem reais da renda gerada na economia, trinta e seis reais são tungados pelo governo (federal, estadual e municipal) através dos inúmeros tributos que nós, cidadãos conformados, pagamos inconformados.
Mas ainda que esses números assustem a primeira vista, creio que devemos reposicionar o debate. Existe uma diferença muito grande entre carga tributária bruta e carga tributária líquida. O que alcançou 36,2% (trinta e seis por cento e dois décimos) é a carga tributária bruta, não a carga tributária líquida, que atinge módicos 14% (catorze por cento) do PIB, o que para um país como o Brasil, não é grande. E isso faz uma grande diferença. Na realidade o governo fica com apenas um terço do total arrecadado para atender as suas funções, para oferecer serviços à sociedade com saúde, educação, segurança, investimentos diversos em infraestrutura, etc., o que é insuficiente. O resto é devolvido à população sob a forma de pagamentos previdenciários, as transferências com programas sociais, como o Bolsa Família, o pagamento de juros e os subsídios a empresas. Isso é o que precisa ser discutido.
Creio que é de concordância geral, quase unânime, exceto por alguns radicais de esquerda, que esses recursos, transferidos ao governo sob forma de tributos, se permanecessem na iniciativa privada seria muito mais produtivo. Não se tem dúvidas que o setor privado é muito mais eficiente, no que diz respeito à geração de riquezas, do que o setor público. Mas por outro lado, num país como o Brasil, que conta com uma injusta distribuição de rendas, é defensável e necessária a interferência do governo com o objetivo de distribuir melhor a riqueza gerada pelo país. E isso se faz através dos tributos: tira dos mais ricos para distribuir para os mais pobres, quer sob a forma de distribuição direta de renda, quer sob a forma de fornecimento de serviços.
Frente a essa realidade, entendo eu que a discussão está um pouco desfocada, ou seja, não é o quanto está sendo arrecadado, mas sim a destinação dos recursos. Será que em realidade está se processando uma transferência de rendas dos mais ricos para os mais pobres? Ou, por outras palavras: será que se está cumprindo o princípio da equidade ou da capacidade contributiva, segundo o qual, o estabelecimento da contribuição dos cidadãos para o financiamento do Estado deve ser compatível com a sua capacidade econômica?
Estudos recentes têm demonstrado que o sistema tributário nacional faz exatamente o contrário: os 10% mais pobres da população brasileira destinam 32,8% da sua -pouca - renda para o pagamento dos tributos, enquanto os 10% mais ricos, esse índice cai para 22,7%. Em termos de salários mínimos, as famílias que ganham até dois salários mínimos pagam 48,8% de sua renda em tributos, enquanto famílias com renda acima de 30 salários mínimos, cerca de 26,3%. (in "Silveira, F.G. - Tributação, Previdência e Assistência Sociais: impactos distributivos. Tese de Doutorado. Instituto de Economia, Unicamp: Campinas, 2008).
Pelo total dos gastos, um item chama a atenção: os juros da dívida pública. Do total arrecadado, cerca de 18% (dezoito por cento) são destinados a pagamentos de juros da dívida pública, ou seja, para remuneração dos detentores de títulos do governo. Nesse caso é uma redistribuição de rendas às avessas: de todos os contribuintes, incluindo os mais modestos - através de impostos sobre compras -, e destinada aos detentores da dívida pública, principalmente os bancos e as famílias mais ricas, com possibilidade de aplicar suas economias nos mercados financeiros.
Por outro lado há que se entender que a dívida pública é resultado das políticas do governo, tanto a fiscal como a monetária. Pelo lado da política fiscal, pelos recorrentes gastos maiores do que as receitas, o que gerou, ao longo do tempo, persistentes déficits fiscais os quais deram origem a dívida, propriamente dita. Pelo lado da política monetária, as taxas de juros têm sido o instrumento preferencial do governo, no combate à inflação. Quanto maior a taxa de juros maior é o montante dos serviços da dívida: juros e encargos. E as taxas de juros no Brasil, é uma das maiores do mundo.
A dívida pública brasileira, que é a soma dos débitos dos governos federal, estaduais e municipais, chegou, em dezembro de 2008, a R$ 1.150 trilhões, o que representou 42,8% do Produto Interno Bruto (PIB), a soma das riquezas produzidas no país. Os juros pagos por União, Estados, municípios e estatais (setor público consolidado) chegou a R$ 159.532 bilhões, em 2008, o que correspondeu a 5,6% do PIB. Em 2007 essa relação foi ainda maior, 6,2% do PIB. E deve-se ressaltar que foram pagos apenas parte dos juros, o restante foi capitalizado no montante da dívida.
A título de comparação, o montante aplicado pelas três esferas de governo: federal, estadual e municipal, em ações e serviços da saúde, corresponde a 3,6% do PIB, segundo dados do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS) e para educação (infantil, fundamental, média e superior), dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontam para um montante que corresponde a 4,3% do PIB.
Em ambos os casos, menos do que foi gasto com o pagamento de juros. Com o programa bolsa família, o governo gastou R$ 11,1 bilhões, ou 0,38% do PIB. Enquanto isso, com os gastos com o pagamento de benefícios previdenciários aos servidores públicos federais, o Governo Federal gastou, em 2008, R$ 60,0 bilhões, 2,07% do PIB e com o Sistema Geral da Previdência, os gastos montaram R$ 189,0 bilhões, ou seja, 6,54% do PIB.
Embora não esgotando o assunto, no âmbito deste artigo, pode-se concluir que o sistema tributário nacional é injusto na arrecadação, cobrando mais de quem pode menos, e distribui muito mal os recursos arrecadados, devolvendo às classes mais ricas, parte substancial do montante arrecadado, sob a forma de pagamento de juros e benefícios diversos.
Conclusão: o sistema tributário nacional brasileiro é altamente regressivo e não cumpre sua função social.
WALDIR SERAFIM é economista e professor universitário em Cuiabá.
Via Midia News | Opinião