domingo, 24 de março de 2013

A queda de um mito: salário mínimo x informalidade

Por João Sicsú

No dia 1º de maio, comemora-se no Brasil o dia do Trabalhador, mas também é o dia da criação do salário mínimo. Em 1940, o presidente Getulio Vargas, em discurso no campo do Vasco da Gama, na cidade do Rio de Janeiro, anunciou a sua criação:
“…assinamos, hoje, um ato de incalculável alcance social e econômico: a lei que fixa o salário mínimo para todo o país. (…). À primeira vista, poderão pensar os menos avisados que a medida é prematura e unilateral, visto beneficiar, apenas, os trabalhadores assalariados. Tal, porém, não ocorre no plano do Governo. A elevação do nível de vida eleva, igualmente, a capacidade aquisitiva das populações e incrementa, por conseguinte, as indústrias, a agricultura e o comércio, que verão crescer o consumo geral e o volume da produção.”
Fontes: IPEA/IPCA/IBGE
Fontes: IPEA/IPCA/IBGE

A visão do Presidente Getulio Vargas não era que o salário mínimo seria um custo para os empresários, mas seria sim um elemento que impulsionaria a economia já que aumentaria o poder de compra da população.

Nos anos neoliberais (1995-2002), o salário mínimo foi considerado um custo para os empresários. Sendo um custo, estimularia a informalidade no mercado de trabalho, ou seja, trabalhadores seriam contratados sem a assinatura da carteira de trabalho. E, além disso, na condição de trabalhadores informais, não receberiam nem sequer o salário mínimo reajustado. Em documento oficial do Ministério da Fazenda do período Fernando Henrique Cardoso (disponível no site do Ministério), datado de 22 de março de 2000, avaliava-se que:
“…o aumento no valor do salário mínimo pode vir acompanhado de um aumento da informalidade e uma redução do grau de cobertura do salário mínimo, sem que se atinja, ao menos plenamente, o objetivo de promover um ganho real nos rendimentos dos trabalhadores com menor remuneração.”
 Ainda assim, a recuperação do valor salário mínimo teve início no governo de FHC. Mas foi uma recuperação modesta porque consideravam, acima de tudo, que estariam aumentando custos empresariais. Diferentemente, o presidente Lula fez uma recuperação mais vigorosa do salário mínimo. A presidenta Dilma adotou a mesma regra. A partir de 2007, o salário mínimo passou a ser corrigido todos os anos pela inflação do ano anterior, somada à variação do PIB de dois anos atrás.
Fontes: PME/IBGE
Fontes: PME/IBGE

Contrariando a “teoria econômica” do Ministério da Fazenda de FHC, de 2003 a 2012, enquanto o salário mínimo aumentou, a informalidade caiu. Uma boa medida da taxa de informalidade no mercado de trabalho é a população empregada com carteira como proporção do conjunto de trabalhadores informais e formais (excluindo militares e funcionários públicos, já que a contratação para essas categorias não é influenciada diretamente por variações do salário mínimo).

A taxa de informalidade caiu de 50,3%, em 2003, para 38,6%, em 2012. Esses números se referem às seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE. A informalidade no Brasil é um pouco maior. No mesmo período que a informalidade caiu, o salário mínimo foi valorizado 69% em termos reais. Em 2003, o salário mínimo era 200 reais, hoje, vale 678 reais, em valores correntes.

O salário mínimo é peça estratégica de um projeto de desenvolvimento social porque é um instrumento que promove a distribuição da renda. O valor do salário mínimo é um dos principais pilares da política de distribuição de renda: isto ocorre devido à influência sobre as remunerações do mercado informal de trabalho, porque estabelece um piso para o mercado formal e porque é também piso dos benefícios pagos mensalmente pela Previdência Social.

Publicado em Carta Capital, 2013-03-20.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Reforma tributária brasileira é um mito


É recorrente o clamor por Reforma Tributária como uma salvação para o Brasil! Isto é um mito. Sai governo entra governo e ninguém sabe precisar o que é Reforma Tributária. Para o Contribuinte é simplificação e desoneração, para o Estado, é aumento de arrecadação. Com esse conflito não se avança.

Quem reclama da carga tributária se esquece de que ela é a medida para cobrir o custo do Estado. Ninguém quer reduzir despesas, mas todos querem reduzir tributos. Daí se falar em Reforma Tributária e ela nunca acontecer. Não existe mágica: não se pode aumentar a arrecadação e os gastos e querer reduzir tributo, a conta não fecha.
A carga tributária é alta para quem paga, mas é insuficiente para o Estado prestar serviços de qualidade. Segundo a OCDE (2010), comparando-se a carga tributária de 29,77% dos países do G-7 e um PIB/habitante de U$ 39.675, com a do Brasil de 33,56% e um PIB/habitante de U$ 11.314, constata-se que o Brasil precisaria arrecadar 3 vezes mais ou ser 3 vezes mais eficiente para dar o retorno social que a população necessita. A carga tributária precisaria era aumentar.

A qualidade da tributação é ruim, pois o peso dos tributos é sobre a produção. Os que ganham menos têm um ônus maior. Quem ganha até 2 salários mínimos paga da mais que o dobro de tributos do que aqueles que ganham acima de 30 salários mínimos. Até 2 salários mínimos paga-se 3,1% de tributos diretos e 45,8% de tributos indiretos, total de 48,8%. Já acima de 30 salários mínimos: paga-se 9,9% de tributos diretos e 16,4% de tributos indiretos, total de 26,3%.

Acrescente-se a babel legislativa e judicial que contribui para a insegurança dos investimentos; a guerra fiscal para atrair investimentos e a ilusão da não-cumulatividade do PIS/COFINS que não desonerou a cadeia produtiva e criou um emaranhado de leis que ninguém entende.

Some o custo adicional da burocracia decorrente da complexidade e excesso de normas, exigências de várias inscrições, papéis e procedimentos repetidos em vários órgãos federais, estaduais e municipais. Perda de tempo e dinheiro para todos, inclusive para o Estado, criando o “tributo da insatisfação” dos que têm que cumprir esse cipoal de exigências.

Para abrir uma empresa, no Brasil, gastam-se 120 dias e são mais de 18 procedimentos em 12 órgãos. Na Nova Zelândia são apenas 15 minutos. Se abrir é difícil, fechar é pior, levam-se anos. Em média, gastam-se 2.600 horas para cumprir a burocracia. Segundo o Banco Mundial (Doing Business - 2012), entre 183 países pesquisados, o Brasil, 6ª economia do mundo, está classificado entre os menos desenvolvidos com relação à facilidade de fazer negócios (126ª); abrir empresas (120ª); e fechamento de empresas (136ª).

É preciso combater a sonegação, fraudes e desvios, mas esse controle não pode alimentar a burocracia e estimular tais desvios e aumentar o gasto da sociedade.
Embora haja luz no horizonte com as desonerações tributárias, como não se pode diminuir a arrecadação, a alternativa é tornar eficiente e reduzir o gasto público, as demandas judiciais, simplificar e desburocratizar o cumprimento de obrigações.
Deve-se reduzir a quantidade de tributos. A destinação, partilha dos recursos e disputas federativas não podem gerar complexidade e ônus para quem paga. A solução é tecnológica, tome-se a ideia do Simples Nacional.

Tem-se que unificar os tributos com bases idênticas: o IRPJ e a CSLL; o PIS, a COFINS e a CIDE; o IPI, o ICMS e o ISS. Dos 8 só restariam 3! O imposto único, ótimo para combater a sonegação, gera injustiça e distorção. É necessário transparência para saber a real alíquota dos tributos que incidem sobre eles mesmos, como o ICMS em que uma alíquota de 18% representa 21,95%.

Para simplificar precisa-se: reduzir o excesso de certidões, licenças, alvarás e declarações; criar um só cadastro e inscrição para fins fiscais e societários. Os tributos devem ser recolhidos em um só documento e a repartição dos recursos caberia ao Estado.

Do lado dos gastos precisa-se de racionalidade. Veja-se a saúde e a educação com obrigações e despesas repartidas e triplicadas pelas três esferas de governo sem que a população seja atendida nas suas necessidades.

Conclusão: sem saber o que é, e para que é a Reforma Tributária ela não acontecerá, pois a carga tributária é baixa para o Estado e é alta e injusta para quem paga, além de os serviços serem de pouca qualidade.

Enfim, governo e sociedade precisam se unir em torno de uma proposta que consiga pelo menos simplificar o sistema e trazer bons ventos sobre: custos, arrecadação, desenvolvimento, competitividade e governabilidade do País.


Mary Elbe Queiroz é advogada sócia do Queiroz Advogados, doutora e mestre em Direito Tributário, presidente do CEAT e do IPET e ex-Auditora Fiscal da Receita Federal do Brasil.

quarta-feira, 6 de março de 2013

O mito da tributação elevada no Brasil

Marcio Pochmann

As especificidades do Brasil dificultam comparações. Cabem duas observações que desconstroem o mito da tributação elevada.

O TEMA relativo ao peso dos impostos, taxas e contribuições no Brasil permanece ainda sendo tratado na superfície. A identificação de que a carga tributária supera 35% do PIB (Produto Interno Bruto) é um simples registro, insuficiente, por si só, para permitir comparações adequadas com outros países. Ou seja, mencionar que o Brasil possui carga tributária de país rico, embora se situe no bloco das nações de renda intermediária, ajuda pouco, quando não confunde o entendimento a respeito das especificidades nacionais. Elas dificultam análises comparativas internacionais e exigem maior investigação.

Por causa disso, cabem, pelo menos, duas observações principais que terminam por desconstruir o mito da tributação elevada no Brasil.

Em primeiro lugar, a observação de que os impostos, taxas e contribuições incidem regressivamente sobre os brasileiros. Como o país mantém uma péssima repartição da renda e riqueza, há segmentos sociais que praticamente não sentem o peso da tributação, ao contrário de outros submetidos ao fardo muito expressivo da arrecadação fiscal.

Os ricos brasileiros quase não pagam impostos, taxas e contribuições.
Os 10% mais ricos, que concentram três quartos de toda a riqueza do país, estão praticamente imunizados contra o vírus da tributação, seja pela falta de impostos que incidam direta e especialmente sobre eles -como o tributo sobre grandes fortunas-, seja porque contam com assessorias sofisticadas para encontrar brechas legais para planejar ganhos quase ausentes de impostos, taxas e contribuições.
Já os pobres não têm escapatória, pois estão condenados a compartilhar suas reduzidas rendas com o financiamento do Estado brasileiro. Isso porque a tributação brasileira é pesadamente indireta, ou seja, arrecada a maior parte em impostos sobre produtos e serviços -portanto, pesa mais para quem ganha menos.
Além disso, há uma tributação direta, sobre renda e bens, muito "tímida" em termos de progressividade. O Imposto de Renda, que, nos EUA, tem cinco faixas e alíquotas de até 40% e, na França, 12 faixas com até 57%, no Brasil tem apenas duas, com alíquota máxima de 27,5%. Aqui, impostos sobre patrimônio, como IPTU ou ITR, nem progressividade têm.

As habitações dos mais pobres, por exemplo, pagam, proporcionalmente à renda, mais tributos em geral do que aqueles que residem nas mansões, enquanto os grandes proprietários de terra convivem com impostos reduzidos e decrescentes.
Aqueles com renda acima de R$ 3.900 contribuem apenas com 23%.
No entanto, quem vive com renda média mensal de R$ 73 transfere um terço para a receita tributária.

Em síntese, a pobreza no Brasil não implica somente a insuficiência de renda para sobreviver, mas também a condição de pagar mais impostos, taxas e contribuições.
Em segundo lugar, a observação de que a carga tributária corresponde à capacidade efetiva de gasto da administração pública brasileiro, conforme comparações internacionais indicam ser. No Brasil, a cada R$ 3 arrecadados pela tributação, somente R$ 1 termina sendo alocado livremente pelos governantes.

Isso porque, uma vez arrecadado, configurando a carga tributária bruta, há a quase imediata devolução a determinados segmentos sociais na forma de subsídios, isenções, transferências sociais e pagamento dos juros do endividamento público.
Noutras palavras, R$ 2 de cada R$ 3 arrecadados só passeiam pela esfera pública antes de retornar imediata e diretamente aos ricos (recebimento de juros da dívida), às empresas (subsídios e incentivos) e aos beneficiários de aposentadorias e pensões.
Assim, o uso da carga tributária bruta no Brasil se transforma num indicador pouco eficaz para aferir o peso real da tributação.

Talvez o mais adequado possa ser análises sobre a carga tributária líquida, que é aquela que, de fato, indica a magnitude efetiva dos impostos, taxas e contribuições relativamente ao tamanho da renda dos brasileiros, pois é com essa quantia que os governantes conduzem (bem ou mal) o conjunto das políticas públicas.
Nesse sentido, a tributação elevada é um mito no Brasil. A carga tributária líquida permanece estabilizada em 12% do PIB já faz tempo. O que tem aumentado mesmo são impostos, taxas e contribuições que, uma vez arrecadados, são imediatamente devolvidos, o que impede de serem considerados efetivamente como peso da tributação elevada.


MARCIO POCHMANN , 46, economista, professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), [Foi]  presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Foi secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo (gestão Marta Suplicy).

Publicação original: Folha de S. Paulo: São Paulo, domingo, 14 set. 2008. Seção TENDÊNCIAS/DEBATES.